O novo Código Florestal Brasileiro (Lei Florestal no 12.651, de 2012) foi adotado após um longo e desgastante processo político. Como a maioria das normas vigentes, o Código Florestal não é perfeito. Consequentemente, necessidades de alterações são apontadas tanto do lado ruralista quanto do lado ambientalista. Cada setor, por meio das ações que estão ao seu alcance, buscam alterar o espírito do Código Florestal de 2012. Tais ações incluem as várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade levantadas pelo setor ambientalista, assim como projetos de lei, decretos e pareceres legais apoiados por segmentos do setor ruralista.
Desde sua criação, o Instituto BVRio vem promovendo a implantação e cumprimento do novo Código Florestal Brasileiro. Baseado em nossa experiência, independente de seus méritos, tais demandas vem postergando a implementação do Código, com resultantes impactos no meio ambiente e setor produtivo.
A tabela a seguir resume os principais objetivos dos representantes do setor ruralista e ambientalista que resistem aos termos atuais do Código Florestal:
Temas |
Código Florestal (CF) | Demandas Ruralistas | Demandas Ambientalistas |
Cadastro Ambiental Rural (CAR) | Prazo final para inscrição: – Original: 2015 – Prorrogado para 2016 |
– Extensão do prazo por 1 a 2 anos (até 2017 ou 2018)1 | – Manutenção do prazo de maio de 2016 |
Reserva Legal (RL) | – Necessidade de RL em todos os imóveis de acordo com o Bioma e região do País – Prevê exceções que permitem a dispensa ou a redução de RL – Possibilidade de compensação de RL desmatada antes de julho 2008 – Possibilidade de recomposição com exóticas |
– Flexibilização das regras – Aumentar os casos de dispensa de RL2 |
– Fim das reduções da obrigação e das dispensas de Reserva Legal3 – Obrigatoriedade de recomposição das RLs no interior de cada imóvel3 – Contrários à compensação e Cotas de Reserva Ambiental3 – Contrários à recomposição com exóticas |
Área de Preservação Permanente (APP) | – Comparado ao CF de 1965, reduz a proteção de algumas APPs – Prevê novas possibilidades de intervenção (uso da área) em APPs – Tratamento diferenciado conforme o tamanho do imóvel (a ‘escadinha’)4 |
Ampliação das possibilidades de intervenção em APPs | – Reestabelece proteção conforme o CF de 19655 – Redução das possibilidades de intervenção5 – Contrários à escadinha5 |
Anistia | Anistia de sanções para desmatamento anterior a julho de 2008 | Manutenção da anistia | Contrários à anistia e a favor de sanções independente da data limite de 20086 |
Crédito Agrícola | Não permite a concessão de credito para produtores não inscritos no CAR após maio de 20177 | Extensão do prazo |
Contrários à concessão de crédito para imóveis sem CAR e sem observação do Código Florestal desde a data de sua edição em 20126 |
1 Projetos de Lei 4550/2016 e 4598/2016 da Câmara dos Deputados e Projeto de Lei do Senado nº 287, de 2015 – prorrogam a inscrição no CAR para 2017 ou 2018.
2 Diversos projetos de lei e leis (ex: Lei nº 18.295, de 10 de novembro de 2014, do Estado do Paraná; Lei nº 15.684, de 14 de janeiro de 2015, do Estado de São Paulo); pareceres (ex: http://www.agrolink.com.br/noticias/NoticiaDetalhe.aspx?codNoticia=108912) e publicações ex: http://www.agroicone.com.br/$res/arquivos/pdf/140305144023_codigo-florestal-brasileiro-e-um-dos-temas-de-discuss%C3%A3o-da-65-reuniao-anual-da-SBPC-2607.pdf, http://dinheirorural.com.br/noticia/artigo/areas-consolidadas-permitem-regularizacao-ambiental-diferenciada; http://www.evaristodemiranda.com.br/postagens/acabou-a-exigencia-de-reserva-legal/) buscam legalizar desmatamentos passados, de acordo com a data de leis anteriores. Na Amazônia Legal, a discussão considera normas de 1996 e 2000 e fora da Amazônia as de 1934, 1965, 1989 ou 1991.
3 Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4901 e 4937, em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2012.
4 A dimensão da APP é proporcional ao tamanho do imóvel.
5 Ação Direta de Inconstitucionalidade 4903, em trâmite no STF desde 2012.
6 Ação Direta de Inconstitucionalidade 4902, em trâmite no STF desde 2012.
7 O projeto original do Código previa a proibição de crédito agrícola aos produtores que não estivessem regularizados perante o Código Florestal. A lei aprovada flexibilizou essa regra e não requer mais a regularização do imóvel, mas somente a sua inscrição no CAR.
Necessidade de trégua nas disputas e foco na implantação do Código Florestal
A implementação integral do Código Florestal, nos termos em que foi aprovado em 2012, resultará em uma melhoria significativa da governança, transparência e capacidade de planejamento do uso do solo, colocando o setor produtivo agropecuário brasileiro na vanguarda da sustentabilidade mundial. Integralmente implementado, o Código Florestal tem o potencial de conservar mais de 150 milhões de hectares de vegetação nativa no Brasil, sequestrando mais de 100 GtCO2 e trazendo substanciais contribuições para a conservação da biodiversidade.
Indubitavelmente, o Código Florestal contém imperfeiçoes, contradições, e inconsistências, e não atende integralmente aos anseios de nenhum grupo de atores. No entanto, a Lei publicada em maio de 2012 deve ser vista como o “acordo possível para o momento”. Os processos de alteração de seus dispositivos tem resultado em renegociações tortuosas e, ao mesmo tempo, criam precedentes para questionamentos e alterações de outros componentes. E, no interim, tais discussões são usadas de subterfúgio para a não observação de suas regras, bem como para postergar a sua regulamentação por parte dos estados e governo federal.
No cenário atual, o Código Florestal ainda está no papel. O foco tem que ser sua implantação no campo. Buscar alterar a Lei, seja restringindo ou ampliando a proteção ambiental, neste momento, deriva em sérios prejuízos ambientais, retarda sua efetiva implantação e prolonga a já deletéria insegurança jurídica. É necessário que ocorra uma trégua nestas demandas, para que o Código possa sair do papel e contribuir para uma melhoria na gestão territorial no país. Futuramente, seus critérios e limites poderão ser rediscutidos, visando um aprimoramento da Lei, mas essa discussão atualmente prolonga um processo que é em detrimento do setor produtivo e do meio ambiente.
Sobre o Instituto BVRio
O Instituto BVRio (www.bvrio.org) é uma organização sem fins lucrativos com a missão de promover o uso de mecanismos de mercado para facilitar o cumprimento de leis ambientais e apoiar a economia verde no Brasil. Desde sua criação, o iBVRio vem promovendo a implantação e cumprimento do novo Código Florestal Brasileiro. A organização foi vencedora do Katerva Awards 2013 (categoria Economia), nomeada Líder em Ação Climática pela R20 – Regions of